Leis de Newton e Luta de Classes

Tiago Lourenço
4 min readDec 24, 2020

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“Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista. Os proletários nada têm a perder, exceto seus grilhões. Têm um mundo a ganhar. “ (O Manifesto Comunista)

A inércia, em Física, é a propriedade intrínseca que os corpos possuem em oferecer resistência à mudança do seu estado natural de movimento em velocidade constante (movimento uniforme) ou repouso, e se materializa através daquilo que nós chamamos de massa, quer dizer, quanto maior a massa de um objeto, mais difícil é colocá-lo em movimento ou pará-lo. De fato, é mais fácil parar ou mover uma bola de basquete do que um trem, certo? A 1ª lei de Newton afirma que na ausência de força resultante todos os corpos tendem à manter seus estados inertes, parados ou em movimento uniforme.

A sociedade se movimenta numa certa direção e sentido, cuja cinemática se dá através de processos históricos, econômicos, políticos e sociais e cuja dinâmica se estabelece na luta de classes, ou seja, no conflito entre grupos antagônicos que constituem uma certa sociedade, que no nosso capítulo da história é a burguesia (os donos dos meios de produção e reprodução da vida, bilionários, latifundiários, etc) e o proletariado (nós, que vendemos nossa força de trabalho para sobreviver). A burguesia se estabelece no poder no século XVIII, após a ruptura e superação do sistema econômico feudal e do antigo regime. Assim, o grupo que a princípio era essencialmente revolucionário assume a dominação e se converte em classe reacionária. E aqui nasce o capitalismo (ou o que virá a se tornar o capitalismo).

Aqueles que dominam, assentados em uma lógica de acumulação de riquezas, expropriam, exploram, oprimem e alienam as classes trabalhadoras, os animais humanos e não-humanos, a natureza e tudo, concreto ou abstrato, o que permita a obtenção de lucro. E para manutenção e justificativa dessa estrutura são vários os mecanismos, tanto materiais quanto ideológicos, que permeiam a nossa vida, desde o discurso de que basta se esforçar ao máximo para alcançar aquilo o que você almeja até o próprio Estado e seus aparatos.

Ora, uma lógica de acumulação infinita é incompatível com um planeta cujos recursos são limitados, o capitalismo é repleto de contradições internas e vive atravessado por crises, de tal sorte que é razoável inferir que em algum momento a estrutura vai desabar, nos levando junto. Se pensarmos em termos de movimentos, em Física, apenas para nos ajudar a refletir, vimos que nos encontramos em um movimento acelerado em uma trajetória que pode desembocar numa destruição do próprio planeta (tem acompanhado as notícias sobre mudanças climáticas, queimadas, níveis dos oceanos, aquecimento global, furacões mais potentes e fora de época e de local?) e na barbárie, no fascismo (grupos de extrema direita surgindo à luz do dia novamente, neofascistas, presidentes ligados à milícias).

Esse movimento carrega uma inércia, uma resistência — ou contra-resistência, socialmente os resistentes somos nós que buscamos a transformação radical, mas vamos usar a terminologia da física, por enquanto — , à qualquer tentativa de alterar sua catastrófica trajetória. Essa inércia se manifesta e se consolida na alienação e na ideologia, que por sua vez ganham concretude nos meios e nas relações de produção, e na forma como se dão a construção e socialização do conhecimento. A função de naturalização e justificação de toda a violência real e virtual do sistema que esses mecanismos materializam dão mais “massa” à esse fenômeno complexo, de modo que sua inércia aumenta, tornando cada vez mais difícil parar o movimento e mais ainda invertê-lo.

Pensando nesses termos ainda é possível refletir sobre o infame discurso da neutralidade, da isenção, que é um discurso altamente ideológico, é importante ressaltar. Tudo é político e todo o vetor na sociedade aponta para alguma direção, e no nosso contexto, de forma geral é para a direita (com o perdão do trocadilho). Marx já nos disse que as ideias de uma sociedade são as ideias da classe dominante. Todo a posição que se diz neutra tem direção e sentido por inércia, pois já nascemos num emaranhado de ideias que apontam para algum local: o conservadorismo. Assim, todo o senso comum já nasce carregado de inércia liberal. Vale lembrar da famosa frase de Angela Davis que afirma que numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista, a sua isenção possui opressão por inércia, é preciso fazer um esforço no sentido oposto para a superação dessas estruturas de dominação.

Nosso papel histórico, enquanto classe oprimida, é acumular as forças que irão empurrar a sociedade no sentido oposto, no outro extremo da barbárie e da destruição, numa sociedade livre de classes, de exploração e em harmonia com a natureza. Claro que essa não é uma tarefa fácil, contrapor essas forças sociais para alterar um movimento com essa inércia de escala astronômica demanda muito tempo e muito trabalho, lembra da história de parar um trem? É preciso estudo, formação, paciência e, principalmente, organização. São as nossas forças, vetorialmente somadas — e com isso eu quero dizer através de uma filosofia da práxis, pois não basta força em intensidade (ação) é preciso direção e sentido corretos (reflexão) — que vão nos permitir mudar a trajetória que estamos presos.

Referências

[1] MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista, 1848. Porto Alegre: L&PM, 2009.

[2] JúNIOR, Joab Silas da Silva. “O que é inércia?”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/fisica/o-que-e-inercia.htm. Acesso em 24 de dezembro de 2020.

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